terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Videoconferência: uma ameaça à ampla defesa?

Um dos temas mais polêmicos da atualidade, e que sempre se demonstrou em debates na jurisprudência pátria, é referente a utilização de interrogatórios feitos por meio de videoconferência.
O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, recentemente sancionou a Lei n.º 11.900/09, alterando dispositivos do Código de Processo Penal, incluindo a possibilidade da utilização da videoconferência em casos específicos. Porém, como não poderia deixar de ser, a polêmica restou demonstrada. Os profissionais e estudantes de Direito já manifestam suas opiniões acerca da utilização dos aparatos tecnológicos para a realização de uma fase processual tão importante, o pronunciamento do acusado.
A Ordem dos Advogados do Brasil demonstra-se totalmente desfavorável. Afirmam que o interrogatório do acusado é o momento de maior externação do princípio universal da ampla defesa, sendo o momento em que é possivel ao réu depor sobre os fatos a partir de seu ponto de vista, se defendendo de acordo com seus limites.
Portanto - independente de economia com gastos para transporte dos acusados, da segurança pública, dentre outros fatores - o que deve ser discutido é: ocorreria violação à ampla defesa na utilização de videoconferência?
Realmente é muito discutível. Os profissionais veem de acordo com o seu ponto de vista, de acordo com o lado em que irão atuar. Acredito que não ocorra essa violação. Lendo a nova Lei n.º 11.900, observo que trata-se de exceções, pois a regra continuaria a mesma. Assim, inicialmente serão poucos os casos, e as partes serão informadas com 10 dias de antecedência, podendo impugnar esta decisão, tentando demonstrar que no caso não caberá a utilização da videoconferência.
A economia que será atingida é evidente. Imaginar que os Magistrados irão se deslocar às penitenciárias brasileiras é totalmente utópico. A utilização de meios tecnológicos em interrogatórios não será o fim da ampla defesa. A Lei se preocupou em garantir a organização, podendo o local ser fiscalizado pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil. Ao acusado preso não ocorrerá muita mudança.
Lendo uma matéria publicada no site do Consultor Jurídico, em 12 de janeiro de 2009, por Luiz Flávio Borges D´Urso e Marcos da Costa encontrei o seguinte argumento: "Mas o prejuízo maior será para a comunicação do réu com o próprio magistrado. Falar para uma câmara já é um fator inibidor para a maioria das pessoas. Mas a capacidade de expressão e de comunicação sofrerá ainda o prejuízo de se encontrar o réu dentro do sistema carcerário, local naturalmente hostil. Isto sem falar na possibilidade do preso estar sofrendo coação de vários matizes, seja de maus-tratos ou tortura, sem que tenha garantias mínimas para a livre manifestação, que ocorreria se estivesse na presença do magistrado".
Data venia, não concordo com tais argumentos. Inibidor fala para uma câmera? O acusado não estará no programa de televisão. Estará apenas relatando o modo que ocorreu o fato que está sendo discutido, ou apenas respondendo perguntas. Não há o porque de se inibir, a não ser que esteja mudando os fatos e falndo um texto decorado. E falar sobre ambiente hostil, de maus-tratos ou tortura é uma realidade, mas caberá a OAB e ao Ministério Público de verificarem as condições em que estão sendo realizados os preparativos da videoconferência.
Transcreva-se a Lei 11.900/09:
LEI Nº. 11.900, DE 8 DE JANEIRO DE 2009.

Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, para prever a possibilidade de realização de interrogatório e outros atos processuais por sistema de videoconferência, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Os arts. 185 e 222 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passam a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 185. .(...)
§ 1º O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.
§ 2º Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;
IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.
§ 3º Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência.
§ 4º Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 deste Código.
§ 5º Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.
§ 6º A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 7º Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1o e 2o deste artigo.
§ 8º Aplica-se o disposto nos §§ 2o, 3o, 4o e 5o deste artigo, no que couber, à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido.
§ 9º Na hipótese do § 8o deste artigo, fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor." (NR)
"Art. 222. .................................................................
§ 1º (VETADO)
§ 2º (VETADO)
§ 3º Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento." (NR)
Art. 2º O Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 222-A:
"Art. 222-A. As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio. Parágrafo único. Aplica-se às cartas rogatórias o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 222 deste Código."
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 8 de janeiro de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
José Antonio Dias Toffoli

Um comentário:

  1. Concordo plenamente!
    O procedimento é conveniente.
    Muita coisa deve ser alterada no nosso código de Processo Penal.

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