quinta-feira, 20 de maio de 2010

PRESCRIÇÃO: ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N.º 12.234/2010

No dia 06 de maio de 2010 entrou em vigou a Lei n.º 12.234, de 05 de maio de 2010. São apenas quatro artigos, mas que alteram consideravelmente algumas modalidades de prescrição no Direito Penal brasileiro, alterando, assim, os artigos 109 e 110 do Código Penal.

Prescrição é uma das modalidades de extinção da punibilidade. É de conhecimento que o Estado tem o poder de punir. Assim sendo, na medida em que ocorre uma infração penal surge para o Estado a possibilidade de punição do autor desta conduta.

Atualmente, a legislação brasileira prevê quatro modalidades de prescrição, sendo três delas relacionadas à prescrição da pretensão punitiva (PPP) – quais sejam: prescrição em abstrato (ou propriamente dita), prescrição intercorrente (ou interveniente) e prescrição retroativa – e uma de prescrição da pretensão executória (PPE), que ocorre quando o Estado não providencia, em certo tempo, a execução de uma pena já aplicada. A doutrina e parte da jurisprudência dos tribunais de primeiro grau se encarregam de afirmar a existência de mais um tipo de prescrição da pretensão punitiva: a prescrição virtual (ou antecipada).

Basicamente, com o advento da Lei n.º 12.234/10, são verificáveis três alterações nas regras prescricionais. Desde já vale destacar que a prescrição intercorrente (ou superveniente) e a prescrição da pretensão executória (PPE) não sofreram mudanças, continuam sendo aplicadas da mesma forma. A nova lei não alterou as cinco modalidades de prescrição, apenas a prescrição pela pena máxima em abstrato, a prescrição retroativa e a prescrição virtual.

A prescrição em abstrato (ou propriamente dita) é aquela que leva em consideração a pena máxima em abstrato prevista no tipo, já que não se sabe a pena que será aplicada ao sujeito. Dessa maneira, sabendo a pena máxima, bem como as qualificadoras e as causas de aumento e de diminuição que poderão ser aplicadas e, com a utilização do artigo 109 do Código Penal, é possível descobrir o lapso temporal prescricional. O que acontece é que a nova lei que trata da prescrição alterou o inciso VI, do artigo 109, do Código Penal. Antes, o prazo prescricional era de 2 (dois) anos, se a pena máxima fosse inferior a 1 (um) ano. A partir de 06 de maio de 2010, o prazo prescricional passa a ser de 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

Definitivamente, a alteração neste ponto é prejudicial ao acusado e, consequentemente, não retroagirá. Assim, pode-se dizer que para os crimes cometidos até o dia 05 de maio de 2010 continua válido o prazo prescricional de 2 (dois) anos. Por outro lado, para os crimes ocorrido após a data de publicação da nova lei, passa a ter valor o prazo de 3 (três) anos.

A prescrição retroativa estava prevista no artigo 110, § 2º, do Código Penal. Com o trânsito em julgado da sentença para a acusação, usa-se a pena em concreto. Importante destacar que a Lei n.º 12.234/10 revogou este parágrafo. Ainda, o artigo 1º desta nova lei descreve que: “esta lei altera os artigos 109 e 110 do Decreto-Lei 2848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para excluir a prescrição retroativa”. Observando o teor deste parágrafo revogado, observamos o seguinte: “a prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa”. Além de revogar o parágrafo segundo, a alteração verificável no parágrafo primeiro, deste artigo 110, do Código Penal passa a afirmar que nesta modalidade de prescrição, em nenhuma hipótese poderá ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. Apesar da retirada do termo “recebimento”, entende-se que este seja o momento ao ser mencionado “da denúncia ou queixa”. Pois bem, o § 2º, do artigo 110, do Código Penal, foi revogado e seu teor foi mantido em sentido contrário no § 1º do mesmo artigo. Melhor dizendo, quando o § 2º menciona o que era permitido, o § 1º da nova lei incorporou o mesmo assunto, mas passando a proibir.

De fato, em contrapartida do disposto no artigo 1º da Lei n.º 12.234/10, que afirma ter sido “excluído” a denominada prescrição retroativa, o que se verifica é que esta modalidade prescricional continua existindo. Porém, passou a ter uma alteração importante. Como sabemos, para o computo desta prescrição, faz-se necessário a existência de sentença condenatória em que passa a ser contada a pena fixada, ou seja, trata-se de uma pena concreta. E agora a mudança: antes o prazo de contagem era composto por dois períodos, sendo um deles o da data do fato até a data de recebimento da denúncia/queixa, e o outro desta até a sentença condenatória recorrível. Nestes períodos, existindo prazo maior do que o prescricional da pena aplicada encontrava-se extinta a punibilidade. Com a vinda da Lei n.º 12.234/10, o primeiro período prescricional foi eliminado, ou seja, da data do fato até o recebimento da denúncia/queixa não há mais que falar em prescrição retroativa. Reparem que esta contagem deixou de existir apenas para a prescrição retroativa, para a prescrição pela pena máxima em abstrato ainda continua vigorando. Da mesma forma, conforme dito anteriormente, não se pode dizer que esta modalidade retroativa foi extinta, isto porque com a pena em concreto, com o trânsito em julgado para a acusação, é possível ser extinta a punibilidade pena prescrição retroativa do período entre o recebimento da denúncia/queixa e a publicação da sentença.

A última mudança trata-se da mais polêmica historicamente. Mas, essa discussão não surgiu devido a entrada em vigor da Lei n.º 12.234/10, e sim de motivos anteriores. Trata-se da prescrição virtual ou antecipada.

O estudante de direito ou o estagiário de direito que ouve alguém falar sobre a prescrição virtual, curiosamente, vai procurar no ordenamento jurídico o artigo que fala sobre esta modalidade de prescrição e não encontra. Isso porque que não há previsão legal. Trata-se de uma modalidade calculada com base na pena prevista, na pena que hipoteticamente será aplicada. Apesar de não ser reconhecida pelos tribunais superiores, a prescrição virtual é criação da doutrina e da jurisprudência dos tribunais de primeiro grau, que utilizam como tese a falta de interesse de agir quando a prescrição virtual é verificada. E a justificativa é simples: antes de iniciar maiores avanços quanto ao procedimento, verificado que a pena que será aplicada ao caso será suficiente para levar à prescrição, não há necessidade de todo o trâmite processual. Apesar de simples não deve ser considerada. A ausência de interesse de agir não é nítida. Fala-se que em muitos casos, é possível prever que a pena será aplicada no prazo mínimo e, desta forma, pode-se antecipar se haverá prescrição ou não. Todavia, não concordo com essa aplicação. Não se pode presumir a pena aplicável e entregar como absoluta, isso porque até a sentença condenatória transitada em julgado todos são considerados inocentes, não é possível sequer hipoteticamente imaginar como condenado e presumir a pena que a justiça irá lhe impor. Ainda, durante o procedimento a acusação pode a qualquer momento apresentar fatos que indiquem aumento de pena, por exemplo. O procedimento penal é muito complexo para que se possa “adivinhar” a pena que cada acusado irá realmente receber.

A discussão sobre existência ou não da prescrição retroativa é tamanha que a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou a súmula n.º 438, reconhecendo como inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com base na pena hipotética (virtual ou antecipada). O que o STJ fez foi manter seu posicionamento sobre o tema. O que acontecia é que alguns tribunais de primeira instância declaravam a extinção da punibilidade pela prescrição virtual e, por meio de recurso da acusação, o tema chegava aos tribunais superiores, que davam provimento ao recurso, inadmitindo esta modalidade prescricional.

De qualquer forma, para os que admitem a prescrição retroativa (e não são poucos), a mudança é no mesmo sentido da verificável com a prescrição retroativa. A Lei n.º 12.234/10 eliminou a contagem do prazo prescricional do período compreendido entre a data do fato e a do recebimento da denúncia ou queixa, e este fato se estende, também, para a prescrição virtual. Os motivos ainda são os mesmos, a alteração nos parágrafos do artigo 110 do Código Penal.



BIBLIOGRAFIA:

- MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Volume I. 23ª Edição revisada e atualizada por Renato N. Fabbrini. Editora Atlas. São Paulo: 2006.

- JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito Penal. Elementos do Direito. 9ª Edição. Volume 7. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2009.

- SANTOS, Christiano Jorge. Direito Penal – Parte Geral. Direito Ponto a Ponto. Editora Elsevier. Rio de Janeiro: 2007.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

"Estupro" a partir da Lei n.º 12.015/2009

No dia 07 de agosto de 2009 entrou em vigor a Lei n.º 12.015 que alterou o Capítulo 1 - "Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual", do Título VI - "Dos Crimes contra os Costumes". A alteração verificável inicialmente é que o legislador passou a denominar o Título VI do Código Penal como "Dos Crimes contra a Dignidade Sexual", o que a meu ver foi uma escolha considerável, já que "costumes" podia dar margem à interpretação de diversos hábitos. Da mesma forma que é difícil imaginar o "homem médio", verifica-se trabalhoso (pra não dizer impossível) fazer a relação de "costumes" com "liberdade sexual", "estupro de vulnerável", "tráfico de pessoas para fim de exploração sexual", dentre outros. Assim, a denominação "Dos Crimes contra a Dignidade Sexual" demonstra-se amplamente mais digna com os crimes tipificados em seu contexto.

Antes da Lei n.º 12.015/09, o estupro era tratado no artigo 213 do Código Penal da seguinte forma:

Artigo 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Antes de tecer qualquer comentário sobre a modificação do tipo penal, passo a transcrever o mesmo artigo modificado pela nova lei:

Artigo 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclsão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Nítido é que a pena manteve-se a mesma (reclusão, de 6 a 10 anos). Entretanto, o antigo texto mencionava a possibilidade de prática de estupro apenas contra mulher, já com a alteração passou-se a tipificar o estupro como o ato de constranger "alguém" (homem ou melher). o que para muitos parecia absurdo, com a entrata em vigor da Lei n. º 12.015/09 passou a ser realidade, é possível falar em estupro contra homem.

A alteração não foi apenas quanto os sujeitos. Agora o tipo fala em ato libidinoso, classificando-o como estupro. Anteriormente, era o artigo 214 do Código Penal que cuidava da prática de ato libidinoso, descrevendo esta conduta como atentado violento ao pudor. Transcreva-se o antigo artigo 214:

Artigo 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir ato libidinoso diversa da conjunção carnal:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Pode-se dizer, então, que um ato libidinoso é um estupro? Se a resposta for afirmativa e este agora é o "nomen iuris", todo ato libidinoso (crime de atentado violento ao pudor) passou a ser crime hediondo?

Como sabemos, os crimes hediondos estão em um rol taxativo, constante no artigo 1º da Lei n.º 8.072/1990, sendo que o inciso V diz que o estupro do artigo 213 do Código Penal, bem como seus parágrafos, são crimes hediondos. Mas, até que ponto podemos considerar hediondo, por exemplo, um simples "beijo roubado" ou um "tapa nas nádegas"? São atos libidinosos. Passaram a constar como crime estupro. Mas, classificar como hediondo não seria exagero?

Para solucionar este ponto, Gustavo Octaviano Diniz Junqueira (1), afirma que: "apenas deve configurar o crime a conduta que viola de forma grave a liberdade sexual. O tapa nas nádegas por parte de rapaz que passa correndo ou o beijo roubado daquele que aproveita descuido para cumprimentar a moça não pode ser considerado crime hediondo. Se a ofensa à liberdade sexual é mínima, a atitude deve ser compreendida, no máximo, como importunação ofensiva ao pudor (contravenção penal)" (2).

A este respeito, Nucci (3) descreve que: "A unificação do atentado violento ao pudor e do estupro continuará propiciando o confronto com a contravenção penal do art. 61 (importunação ofensiva ao pudor). Este tipo penal encontra-se assim redigido: 'importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor', punível somente com multa. Portanto, atos de pouca importância, ainda que ofensivos ao pudor, não devem ser classificados como estupro (ou tentativa de estupro), comportando tipificação no cenário da contravenção" (4).

(1) Mestre e Doutor em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca. Coordenador do Departamento de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Professor dos cursos de pós-graduação da escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMP/SP) e da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Defensor Público e Diretor da Escola da Defensoria Pública de São Paulo.

(2) JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito Penal. Elementos do Direito. Volume 7. 9ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo - 2009. Pág. 264.

(3) Livre-Docente em Direito Penal, Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor concursado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), atuando nos cursos de graduação e pós-graduação e doutorado. Magistrado em São Paulo.

(4) NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a Dignidade Sexual - Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo - 2009. Pág. 23.