segunda-feira, 26 de abril de 2010

"Estupro" a partir da Lei n.º 12.015/2009

No dia 07 de agosto de 2009 entrou em vigor a Lei n.º 12.015 que alterou o Capítulo 1 - "Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual", do Título VI - "Dos Crimes contra os Costumes". A alteração verificável inicialmente é que o legislador passou a denominar o Título VI do Código Penal como "Dos Crimes contra a Dignidade Sexual", o que a meu ver foi uma escolha considerável, já que "costumes" podia dar margem à interpretação de diversos hábitos. Da mesma forma que é difícil imaginar o "homem médio", verifica-se trabalhoso (pra não dizer impossível) fazer a relação de "costumes" com "liberdade sexual", "estupro de vulnerável", "tráfico de pessoas para fim de exploração sexual", dentre outros. Assim, a denominação "Dos Crimes contra a Dignidade Sexual" demonstra-se amplamente mais digna com os crimes tipificados em seu contexto.

Antes da Lei n.º 12.015/09, o estupro era tratado no artigo 213 do Código Penal da seguinte forma:

Artigo 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Antes de tecer qualquer comentário sobre a modificação do tipo penal, passo a transcrever o mesmo artigo modificado pela nova lei:

Artigo 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclsão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Nítido é que a pena manteve-se a mesma (reclusão, de 6 a 10 anos). Entretanto, o antigo texto mencionava a possibilidade de prática de estupro apenas contra mulher, já com a alteração passou-se a tipificar o estupro como o ato de constranger "alguém" (homem ou melher). o que para muitos parecia absurdo, com a entrata em vigor da Lei n. º 12.015/09 passou a ser realidade, é possível falar em estupro contra homem.

A alteração não foi apenas quanto os sujeitos. Agora o tipo fala em ato libidinoso, classificando-o como estupro. Anteriormente, era o artigo 214 do Código Penal que cuidava da prática de ato libidinoso, descrevendo esta conduta como atentado violento ao pudor. Transcreva-se o antigo artigo 214:

Artigo 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir ato libidinoso diversa da conjunção carnal:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Pode-se dizer, então, que um ato libidinoso é um estupro? Se a resposta for afirmativa e este agora é o "nomen iuris", todo ato libidinoso (crime de atentado violento ao pudor) passou a ser crime hediondo?

Como sabemos, os crimes hediondos estão em um rol taxativo, constante no artigo 1º da Lei n.º 8.072/1990, sendo que o inciso V diz que o estupro do artigo 213 do Código Penal, bem como seus parágrafos, são crimes hediondos. Mas, até que ponto podemos considerar hediondo, por exemplo, um simples "beijo roubado" ou um "tapa nas nádegas"? São atos libidinosos. Passaram a constar como crime estupro. Mas, classificar como hediondo não seria exagero?

Para solucionar este ponto, Gustavo Octaviano Diniz Junqueira (1), afirma que: "apenas deve configurar o crime a conduta que viola de forma grave a liberdade sexual. O tapa nas nádegas por parte de rapaz que passa correndo ou o beijo roubado daquele que aproveita descuido para cumprimentar a moça não pode ser considerado crime hediondo. Se a ofensa à liberdade sexual é mínima, a atitude deve ser compreendida, no máximo, como importunação ofensiva ao pudor (contravenção penal)" (2).

A este respeito, Nucci (3) descreve que: "A unificação do atentado violento ao pudor e do estupro continuará propiciando o confronto com a contravenção penal do art. 61 (importunação ofensiva ao pudor). Este tipo penal encontra-se assim redigido: 'importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor', punível somente com multa. Portanto, atos de pouca importância, ainda que ofensivos ao pudor, não devem ser classificados como estupro (ou tentativa de estupro), comportando tipificação no cenário da contravenção" (4).

(1) Mestre e Doutor em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca. Coordenador do Departamento de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Professor dos cursos de pós-graduação da escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMP/SP) e da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Defensor Público e Diretor da Escola da Defensoria Pública de São Paulo.

(2) JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito Penal. Elementos do Direito. Volume 7. 9ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo - 2009. Pág. 264.

(3) Livre-Docente em Direito Penal, Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor concursado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), atuando nos cursos de graduação e pós-graduação e doutorado. Magistrado em São Paulo.

(4) NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a Dignidade Sexual - Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo - 2009. Pág. 23.

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